terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O Gigetto


Saída do Teatro Ruth Escobar, final dos anos setenta, ainda sob a égide do Governo Militar, um pouco mais abrandado, diga-se. No meio acadêmico, grande celeiro de boêmios, a repressão muda de nome e passa a ser conhecida como "intervenção", reporto-me ao que ocorreu com a PUC em 1977 em comparação com o ocorrido com a UNICAMP em 1981. Após o teatro onde discutir a peça assistida e tudo esse contexto nacional. Ora, no Gigetto, é claro; bem se tiver mesa.


Lá, altas horas da noite, ao romper da madrugada, encontravam-se Fernando Henrique e Dona Ruth com o Paulo Renato. O Tarciso Meira, que estava compondo elenco de uma peça em São Paulo, com o Soares, que aqui morava (e mora). O Araken Peixoto e o Moacyr Santos. E outros tantos boemios locais, de outros lugares, conhecidos ou não. Agora o destino era sempre o Gigetto. Mesmo que não se optasse por ir lá tal possibilidade era cogitada.


Lugar de cozinha "cantineira" mas com boas surpresas no cardápio. Verdadeiros "plat du resistance ", como a dobradinha a parmeggiana (trippa), a rabada e o indispensável, de 3ªs a 5ªs, marisco "lambe-lambe". Tudo regado a boa cerveja ou a vinhos simples, como o Casal Garcia, Undurraga e Dão Grão Vasco. Pouco se falava em vinhos italianos ou mesmo franceses. Ôpa ! Quase cometo uma injustiça, sempre se cogitava o "Dom Valentin Lacrado", argentino de estirpe e um pouco mais caro.


Naquela época os bolsos não andavam cheios e a alegria dos músicos e artistas que por ali paravam para "encher a pança" e discutir algo relevante, era encontrar alguns empresários "notórios boêmios", como era o caso do João Zarif e do Constantino Cury. Eles nunca deixavam um conhecido ou um amigo de conhecido pagar a conta. Tinham o prazer de partilhar a alegria de uma noite na forma do mimo da conta paga. É verdade que alguns começavam a noite no Gigetto e outros tantos se socorriam de suas mesas após as três da manhã, quando a canja era a única comida possível dado o estado etílico dos comensais.


Nos anos oitenta e noventa a frequência boêmia passou a se mesclar com algumas famílias que passaram a não ir lá só nos almoços dominicais (sempre cheio). Veio um período de ocaso, já neste século, cheguei a pensar que o Gigetto iria fechar ou que o Walter Mancini iria comprá-lo e repaginá-lo, neste caso não poria mais meus pés lá.


Ocorre que das "cinzas" ele vem ressurgindo. A cozinha vem melhorando, retomando os velhos pratos, o ambiente, reformado, guarda o cheiro de nostalgia, não de naftalina e nem de mofo, mas sim um certo toque do perfume "poison" que certas moças que frequentavam as redondezas e, no fim da noite, suas mesas, o usava de forma a impregnar o ambiente. Sinto que o Gigetto vem retomando seu lugar no seio da boémia clássica paulistana, isso alegra a alma.


Voltei a ir regularmente ao Gigetto, gosto de lá, as lembranças são boas e as amizades que vêm se construindo ao redor de suas mesas melhores ainda.

Um comentário:

  1. Depois de quase duas décadas frequentando o vizinho, nacional e internacionalmente conhecido pela alegria, pelas filas e também pela massa mole, aceitei o convite de conhecer o Gigetto. Realmente um local com clima muito agradável, apesar da evidente nostalgia que paira pelo salão. Gostei do atendimento e da comida nessa minha primeira experiência. É um lugar no qual pretendo voltar, mas sempre munido de uma boa garrafa de vinho, já que a carta manteve a tradição de ser fraca.

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