segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A BAIUCA.


Que vontade de caminhar até a Bauica da Praça Roosevelt (que não existe mais),sentar numa mesa de fundo (sempre ocupada), pedir um Dimple (difícil encontrar), acender um cigarro (proibido), pedir ao Moacyr Santos algo para o Pedrinho Miguel cantar (ambos aposentados) esperando o Araken Peixoto (não sei por onde anda),puxar um solo no pinton...Na segunda dose a linda morena, num vestido branco semi transparente, entra de mansinho e sorri no entre-olhos (sempre um sonho), ao pedir licença e se debruçar para ter o cigarro aceso.

Que saudade, que saudade !!!

Poucas casas noturnas da Boemia Paulistana marcaram tanto como A BAIUCA. Chegou a ser sinônimo de boemia, de "vida noturna".

A verdade é que a Baiuca se confundia com a própria boemia paulistana. Os boêmios se socorriam nela com fome de poesia e lirismo da alma e a outra do corpo, que era muito bm suprida pelos ótimos files que lá encontrávamos. Era comum sentarmos lindeiros a expoentes da música popular brasileira, seja por residirem em São Paulo, seja por estarem em visita. Vivi seus últimos tempos de glória e o ocaso dos cinco anos finais. Atesto que o lirismo e a boemia nunca viraram as costas para este casa.

Não era difícil encontrar o Dick Farney, sempre bem acompanhado, numa mesa ou ao piano. O Paulo Cesar Pinheiro, quando vinha a São Paulo, virava alguns copos por lá. Chico, Elis Regina e, até, O Poeta por lá passaram.

Na Baiúca, por exemplo, era comum assistir a shows do Cauby, do Jonny Alf e, até, do citado Dick Farney. Foi lá que o Zimbo Trio, o grupo mais representativo da Bossa paulista, se formou. Dizem que Vinicius de Moraes soltou a famosa sentença nos ouvidos do pianista Johnny Alf: "São Paulo é o túmulo do samba" (ao meu ver tremenda injustiça do Poeta que, naquela oportunidade, devia estar sóbrio).

A Baiuca vivia lotada. "Tinha que morrer um para outro poder entrar", brinca o ex-caixa da Baiúca, Renato Orbetelli, 60 anos.

"O clima da Baiúca era incrível. A música era sensacional e a comida, nem me fale. Tinha um filé à Chateaubriand (com molho mostarda) que era imbatível", diz Rubinho, 75 anos, baterista fundador do Zimbo Trio. "Os melhores estavam na Baiúca. Tudo aconteceu lá dentro", completa o lendário baixista Sabá, 84 anos, que na época acompanhava Johnny Alf. (Estadão, de 25 de abril de 2008)

As mesas da Baiuca sempre seguiam lotadas. O clima era acolhedor e sempre de festa. Era lugar de comemorações e de lamentações. Tudo era festa ou motivo para festa, seja para lembrar ou prá esquecer. Seja para o encontro, para o reencontro ou mesmo o desencontro. O copo sempre cheio, os olhos brilhando e o coração, mesmo triste, sorria para a noite da casa que tinha a exata cara da Boemia Paulistana.

Sua filial, nos Jardins, também foi muito acolhedora, com uma cozinha mais bem executada. Muitos dos músicos e cantores que circulavam na Matriz migravam para a Faria Lima (local da filial). Entretanto, ao menor aceno, retornavam à "casa mãe" do Centro.Muitas casas dos dias de hoje se inspiraram na Baiuca mas nenhuma conseguiu alcançar seu brilho, sua magia, estas ficaram na saudade. A Baiuca não sobreviveu á degradação do Praça Roosvelt, mas nunca morreu ou foi esquecida nos corações daqueles que por lá passaram.

Muitas casas dos dias de hoje se inspiraram na Baiuca mas nenhuma conseguiu alcançar seu brilho, sua magia, estas ficaram na saudade. A Baiuca não sobreviveu á degradação do Praça Roosvelt, mas nunca morreu ou foi esquecida nos corações daqueles que por lá passaram.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Botecos, Butecos e Botequins.


Já dizia um grande amigo que "o lar do boêmio é o botequim". Mesmo que não seja inteiramente verdade o ditado é bom, retrata o espírito do boêmio e seu habitat. Agora boteco, buteco e botequins são diferentes ? Não e sim. Primeiro o "não".

A igualdade reside na finalidade e no espírito de seus habitantes e visitantes. E a diversidade está no lugar, no sítio onde se encontram e na origem. Começamos pelo último.

O botequim é o lar do boêmio carioca. Na verdade serviu de inspiração, pela antiguidade e ainda que remota, aos demais. O Celso Japiassu, no belo artigo Pequeno Guia Pessoal dos Botequins Cariocas bem coloca que sendo "criação dos imigrantes portugueses, os botequins surgiram primeiro no Rio de Janeiro, de onde partiram para conquistar o resto do Brasil. O Rio orgulha-se dos seus botequins e lhes devota a importância que Londres atribui a seus pubs e Paris a seus bistrôs." Verdade é que teve origem nas boticas dos portugueses. Lugar onde se encontrava de tudo, miudezas, secos e molhados; inclusive bebidas. O carioca ia a esses lugares se abastecer e acabava por comprar alguma bebida para lá mesmo consumir com o acompanhamento de petiscos baratos. Os outros itens acabaram por dar lugar à boa bebida e aos petiscos e a conversa passou a se dar ao redor de mesas que passaram a se apresentar em maior número que uma ou duas na origem. Um típico bar carioca é o Bracarense, na Rua José Linhares, no Leblon.

O buteco já é mineiro. Veio daquele "bar do mercado" que passou a ter mesas, a maioria no passeio público, onde boas cachaças eram, e são, degustadas com petiscos típicos, com especial ênfase aos torresmos. Em Minas, especialmente em BH, os petiscos evoluiriam para o que se chama de "comida di buteco" que vai do tradicional torresmo até a tilápia a dore com molhos diversos. O Peixe Frito é um ótimo exemplo do "buteco" mineiro, fica na Rua Juiz de Fora, no Barro Preto.

Finalmente chegamos ao BOTECO. Esse sim paulista. Paulistano de origem e com alguma inspiração mineira e carioca, mais mineira ao nosso ver. Nasceu como bar, aquele velho "bar e lanches" do ponto final do ônibus. O balcão ficava apinhado nos fins de tarde e a calçada passou a ser ocupada por mesas de armar que, até as seis da tarde, se mantinham desmontadas. Após esse horário, montadas dentro do recinto ou no passeio público, passam a receber "roda de amigos", casais e solitários que assim querem ficar ou que lá chegam a procura de alguém conhecido, ou não. A cerveja, estupidamente gelada, passou a disputar espaço com os cotovelos, os bolinhos de ovo e as coxinhas fritas na hora pela mulher do dono do bar. O boteco tem menos torresmo que o seu irmão mineiro e pouca batata frita, na forma do primo carioca; agora é difícil não encontrar a "calabresa acebolada" a "lingüiça na cachaça" e o "kibe".

Ouso afirmar que o nosso "boteco" tem mais origem na "bottega" e na "bodega" que na "botica". Nosso boteco não nasceu como armazém, já nasceu boêmio, nosso boteco já nasceu como a casa do boêmio, não se "transformou em" e sim "cresceu sendo". Esta é a grande diferença.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O Gigetto


Saída do Teatro Ruth Escobar, final dos anos setenta, ainda sob a égide do Governo Militar, um pouco mais abrandado, diga-se. No meio acadêmico, grande celeiro de boêmios, a repressão muda de nome e passa a ser conhecida como "intervenção", reporto-me ao que ocorreu com a PUC em 1977 em comparação com o ocorrido com a UNICAMP em 1981. Após o teatro onde discutir a peça assistida e tudo esse contexto nacional. Ora, no Gigetto, é claro; bem se tiver mesa.


Lá, altas horas da noite, ao romper da madrugada, encontravam-se Fernando Henrique e Dona Ruth com o Paulo Renato. O Tarciso Meira, que estava compondo elenco de uma peça em São Paulo, com o Soares, que aqui morava (e mora). O Araken Peixoto e o Moacyr Santos. E outros tantos boemios locais, de outros lugares, conhecidos ou não. Agora o destino era sempre o Gigetto. Mesmo que não se optasse por ir lá tal possibilidade era cogitada.


Lugar de cozinha "cantineira" mas com boas surpresas no cardápio. Verdadeiros "plat du resistance ", como a dobradinha a parmeggiana (trippa), a rabada e o indispensável, de 3ªs a 5ªs, marisco "lambe-lambe". Tudo regado a boa cerveja ou a vinhos simples, como o Casal Garcia, Undurraga e Dão Grão Vasco. Pouco se falava em vinhos italianos ou mesmo franceses. Ôpa ! Quase cometo uma injustiça, sempre se cogitava o "Dom Valentin Lacrado", argentino de estirpe e um pouco mais caro.


Naquela época os bolsos não andavam cheios e a alegria dos músicos e artistas que por ali paravam para "encher a pança" e discutir algo relevante, era encontrar alguns empresários "notórios boêmios", como era o caso do João Zarif e do Constantino Cury. Eles nunca deixavam um conhecido ou um amigo de conhecido pagar a conta. Tinham o prazer de partilhar a alegria de uma noite na forma do mimo da conta paga. É verdade que alguns começavam a noite no Gigetto e outros tantos se socorriam de suas mesas após as três da manhã, quando a canja era a única comida possível dado o estado etílico dos comensais.


Nos anos oitenta e noventa a frequência boêmia passou a se mesclar com algumas famílias que passaram a não ir lá só nos almoços dominicais (sempre cheio). Veio um período de ocaso, já neste século, cheguei a pensar que o Gigetto iria fechar ou que o Walter Mancini iria comprá-lo e repaginá-lo, neste caso não poria mais meus pés lá.


Ocorre que das "cinzas" ele vem ressurgindo. A cozinha vem melhorando, retomando os velhos pratos, o ambiente, reformado, guarda o cheiro de nostalgia, não de naftalina e nem de mofo, mas sim um certo toque do perfume "poison" que certas moças que frequentavam as redondezas e, no fim da noite, suas mesas, o usava de forma a impregnar o ambiente. Sinto que o Gigetto vem retomando seu lugar no seio da boémia clássica paulistana, isso alegra a alma.


Voltei a ir regularmente ao Gigetto, gosto de lá, as lembranças são boas e as amizades que vêm se construindo ao redor de suas mesas melhores ainda.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O INÍCIO


2010 nasce, desponta e já anuncia, nesta metrópole inquieta, a chegada da primeira "noite civil"; explico: aquela noite que vem após o dia trabalhado. São Paulo é sinonimo de trabalho para o Brasil todo, talvez para a América latina inteira. É a "Capital Financeira" do Brasil, sem dúvida. Alguns a consideram a Capital Financeira da AL, a despeito de outros tantos ainda suporem que a Capital do Brasil é Buenos Aires (esta outro exemplo de cidade com "noite quente").

A Boemia Paulistana é a clara consequencia de seu rítmo, é o exato resultado de ser São Paulo a Capital Financeira, a verdadeira "Capital do Capital" da ÁL. Ela não para nunca. São Paulo não dorme, cochila.

É disso que vamos tratar aqui, da Boemia desta cidade e seus arredores. Destacaremos lugares, aspéctos, relatos, experiências, sempre deixando claro que se a Cidade não dorme a Boemia dela não tem hora. Ela é noturna no nascimento mas pode ser diurna, avançar o dia ou a luz do sol nascer, a qualquer momento.

Vamos viver juntos tudo isso.

EC FILHO.